Trocar bacalhau por croissants é para os bravos!
O fado é como o champagne: não tem hora certa para se servir. Se é verdade que a noite tem o glamour natural do misticismo, o fado tem as castas e o envelhecimento do mais exclusivo e reservado dos vinhos. Não requer, portanto, horário nem público específicos.
Democraticamente é uma canção de todos, e cada um transporta como e para onde quiser. É-nos querida a condição da noite, da melancolia ou da negrura da prece, mas face aos tempos bizarros que confinam vidas e paixões, o fado saiu do breu e acordou Alfama inteira. Às 6h30, com a pontualidade de Downing Street, despiu o pijama, fez ovos mexidos e croissants. Trocou o tinto pela bica curta e viu o sol romper por entre o céu carregado que parou de “chorar” para ver Lisboa despertar. Os mais de 30 fadistas e músicos chegaram, como se de um chamamento divino se tratasse, aos poucos, e Alfama gostou de os rever. O público encheu as duas salas do Clube de Fado e deixou-se ficar até o governo o mandar para casa. E se mais tempo houvesse, mais se quedavam à inimaginável magia diurna.
Num marasmo cultural a que teimam em chamar “portugalidade”, o Fado & Food Group gritou bem alto para se ouvir nas sete colinas de Lisboa que o fado e as suas casas estão vivos. “Gritou-se” tão alto que as veias quase romperam e muitas lágrimas caíram. O melhor de tudo? Todo o dinheiro deste #brunchfado serviu para limpar um pouco mais as indisfarçáveis feridas da União Audiovisual. Foi de orgulho que se escreveu esta atípica, mas encorajadora manhã, e o fado, como sempre e como nunca, foi solidário e muito maior do que os egos e do que os homens.
Texto: Carlos Leitão / Fotografia: Rodolfo Contreras